domingo, 4 de novembro de 2012

um cigarro por um beijo

Já é novembro e já choveu e já fez frio.
Já se comeram as melhores batatas bravas do mundo, que arrancam sempre à lisboeta os sorrisos e lhe devolvem o acento castelhano que perde de quando em quando.
Já se encontrou uma marca de cerveja preferida, com sabor a café.
Já se discutiu política, música e mulheres, homens e filhos, casamentos e viagens. Tudo na mesma noite.

Ela é séria e ele é calado.
estão na mesa ao lado da minha,
ela está muito séria de mãos no colo, fala pouco, mas ele olha-a sempre que ela abre a boca.
pedem a cerveja preferida, ela sugere-lhe as batatas bravas que podem não ser as melhores mas serão igualmente boas. falam de vidas, de família, e ela tira a mão do colo e ele começa a olhá-la mesmo quando ela está calada.
ele faz um cigarro de enrolar, ela pede-lho.
ele diz-lhe: só se me deres um beijo.
ela hesita, ri-se, põe de novo as mãos no colo, e diz-lhe que sim, mas só porque lhe apetece mesmo fumar.
ele aproxima-se. ela vê-lhe as pestanas que nunca tinha visto, as unhas cortadas rente e os dedos compridos. tudo numa fracção de segundo antes do beijo.
ele não consegue manter-se nos lábios dela e dá-lhe uma mão, com a outra faz-lhe uma festa no ombro.
ela ri-se no meio do beijo.
lembra-se que está em público, no café onde vai algumas vezes, contrai-se e afasta-se ligeiramente.
ele afasta-se de sorriso nos lábios, estende-lhe o cigarro e o sorriso.
começam a falar do porquê das mãos dela no colo, do porquê da troca de beijos por cigarros.
ela agora está calada, falando entre entre o fumo do cigarro, que se apaga de segundos em segundos.
ele desabafa, pede desculpa, o beijo-lhe desatou-lhe o nó, a ela trouxe-lhe medo de já não estar zangada.
os minutos passam, mais cervejas, mais mãos que se tocam. por fim muitos sorrisos.
pedem a conta, paga ele, ainda que ela insista que não, que paga ela, que dividem.
ele chama-lhe feminista, ela chama-lhe comunista. não são insultos, são elogios.

saem muito encostados, o peso das cervejas nas pernas. ela disse-lhe, baixinho, ao ouvido, antes de se levantarem, vamos para minha casa? ele disse-lhe que sim, e rodeou-lhe os ombros com o braço.

estavam na mesa ao lado da minha.
saíram menos sérios e menos calados.  

Sem comentários:

Enviar um comentário