terça-feira, 27 de novembro de 2012

cortar o cabelo, cortar as saudades

cortar o cabelo.
cortar as saudades.
estou aqui e nada mudou. só se for para pior
todos se queixam e me relatam o menos que têm e o mais que podiam ter.
olho-os triste e contente por, por enquanto, eu ter mais e não ter menos do que podia ter.
os meses, os dias, que aqui não estive, parecem às vezes horas e às vezes anos.
as gargalhadas no meio de uma suporbock e de uns tremoços, são de ontem, o recordar da partida é de há anos.
e corto as saudades com a mesma navalha que cortei o cabelo.
não mudo muito, só um aparo e, na realidade, está tudo na mesma, mas mais curto, nestas minhas viagens a lisboa.
 

sábado, 10 de novembro de 2012

Cenários de histórias

Ando pelos cenários do livro que ando a ler.
Passeio pelo Born e sento-me na Igreja de Santa Maria del Mar.

Sentada nos degraus da Igreja de Santa Maria del Mar, estava uma rapariga, de lenço ao pescoço e ipod nos ouvidos. Não parecia estar a pensar em nada. Estava distraída a olhar para os vendedores de coisas que brilham e se atiram ao ar. Estava com medo que uma dessas coisas, que no ar parecem muito interessantes e na mão são de plástico barato, lhe caísse em cima. Não reparou no rapaz que a observava do outro lado da praça. 
Ele aproximou-se, consultava ela, mais uma vez, o telemóvel.
Habituada a perguntas sobre horas, compras estranhas, não estranhou quando ele lhe pediu, ainda antes do olá, desculpa por a estar a incomodar. Respondeu que não, e olhou-o com cara de pergunta. Já quase pronta a dizer-lhe as horas em catalão, como tinha aprendido no dia anterior. Ele sorriu e perguntou-lhe, simplesmente, se ela achava que ele estava bem.
Falava um espanhol limpo, sem vestigios de sotaques estranhos, mas ela mesmo assim não percebeu,
bem como?
Ele apontou a roupa, o cabelo. Tudo, disse ele, encolhendo os ombros. Se estou bem.
Não soube o que lhe responder. Estava bem, sim. E queria saber as horas?
Ele respondeu que não, que tinha uma coisa combinada, que sabia que ainda era cedo, mas estava nervoso. Ela passou os olhos pela praça e procurou o motivo do atraso dele e o da espera dela.
Ele, com o que bem que estava, e que tinha sido confirmado por ela, decidiu continuar as perguntas.
Avançou entre gostos, trabalhos e locais da cidade. Passou por bares e museus. Admirou-se por ela conhecer a maioria e, decidido, disse-lhe que havia um que ela não podia conhecer.
Propôs-lhe que lá fossem. Ela voltou a olhar para as coisas brilhantes, uma caiu aos pés dos dois. Perguntou-lhe pelo motivo da espera dele e da necessidade em estar bem. 
Ele disse que ainda era cedo, que havia de chegar, e voltou a perguntar se a podia levar lá. Sorriu.
Ela disse que ia pensar. 
Ele disse que ia gostar. 
Trocaram números de telemóvel e dois beijos.
A amiga dela chegou e a dele não.
Despediram-se, ela corada, ele a agradecer e a sorrir.
Ela não olhou para trás, mas um dia depois tinha uma mensagem no telemóvel.

Sentada nos degraus em frente à Santa Maria del Mar estou nos cenários do livro que ando a ler.

domingo, 4 de novembro de 2012

um cigarro por um beijo

Já é novembro e já choveu e já fez frio.
Já se comeram as melhores batatas bravas do mundo, que arrancam sempre à lisboeta os sorrisos e lhe devolvem o acento castelhano que perde de quando em quando.
Já se encontrou uma marca de cerveja preferida, com sabor a café.
Já se discutiu política, música e mulheres, homens e filhos, casamentos e viagens. Tudo na mesma noite.

Ela é séria e ele é calado.
estão na mesa ao lado da minha,
ela está muito séria de mãos no colo, fala pouco, mas ele olha-a sempre que ela abre a boca.
pedem a cerveja preferida, ela sugere-lhe as batatas bravas que podem não ser as melhores mas serão igualmente boas. falam de vidas, de família, e ela tira a mão do colo e ele começa a olhá-la mesmo quando ela está calada.
ele faz um cigarro de enrolar, ela pede-lho.
ele diz-lhe: só se me deres um beijo.
ela hesita, ri-se, põe de novo as mãos no colo, e diz-lhe que sim, mas só porque lhe apetece mesmo fumar.
ele aproxima-se. ela vê-lhe as pestanas que nunca tinha visto, as unhas cortadas rente e os dedos compridos. tudo numa fracção de segundo antes do beijo.
ele não consegue manter-se nos lábios dela e dá-lhe uma mão, com a outra faz-lhe uma festa no ombro.
ela ri-se no meio do beijo.
lembra-se que está em público, no café onde vai algumas vezes, contrai-se e afasta-se ligeiramente.
ele afasta-se de sorriso nos lábios, estende-lhe o cigarro e o sorriso.
começam a falar do porquê das mãos dela no colo, do porquê da troca de beijos por cigarros.
ela agora está calada, falando entre entre o fumo do cigarro, que se apaga de segundos em segundos.
ele desabafa, pede desculpa, o beijo-lhe desatou-lhe o nó, a ela trouxe-lhe medo de já não estar zangada.
os minutos passam, mais cervejas, mais mãos que se tocam. por fim muitos sorrisos.
pedem a conta, paga ele, ainda que ela insista que não, que paga ela, que dividem.
ele chama-lhe feminista, ela chama-lhe comunista. não são insultos, são elogios.

saem muito encostados, o peso das cervejas nas pernas. ela disse-lhe, baixinho, ao ouvido, antes de se levantarem, vamos para minha casa? ele disse-lhe que sim, e rodeou-lhe os ombros com o braço.

estavam na mesa ao lado da minha.
saíram menos sérios e menos calados.